
Lágrimas, folia e peregrinação em Buenos Aires para celebrar o papa que nunca voltou

A enfermeira Agustina Renfiges pede que a "Igreja se lembre dos pobres". Como ela, milhares de argentinos lotaram neste sábado (26) o centro de Buenos Aires para se despedirem de Francisco, o papa que nunca retornou à sua terra, mas deixou um legado em defesa dos excluídos.
A Praça de Maio, epicentro da vida política do país, se transformou em um templo a céu aberto com um altar sobre a escadaria da Catedral onde Jorge Bergoglio foi arcebispo até 2013, quando partiu para o Vaticano para eleger um novo papa e acabou sendo o escolhido.
No entanto, apesar da tristeza, também houve espaço para uma lembrança festiva, com dança e folia.
Telões foram instalados para que os fiéis acompanhassem a missa e vendedores ambulantes ofereciam imagens e lembranças com o rosto sorridente do pontífice, que morreu na segunda-feira aos 88 anos e foi sepultado neste sábado em Roma.
"Tinha a esperança de que ele viria alguma vez", disse à AFP Renfiges, de 46 anos e que compareceu cedo para a homilia. "Aqui os pobres o amavam. Deixou muitas coisas, especialmente a ideia de servir aos demais no que cada um faz", acrescentou, rompendo em lágrimas.
O arcebispo de Buenos Aires, Jorge García Cuerva, pediu em seu sermão que os cristãos "não vivenciem sua fé fechados entre quatro paredes".
"Que sejamos a Igreja 'em saída' que Francisco sempre propôs, uma Igreja inquieta, que se mobiliza, que não fique encurralada, que sejamos cristãos a caminho", disse.
- 'Pensar que em Roma estão tristes' -
Ao término da missa, grupos organizados por paróquias e restaurantes populares se mobilizaram em caravanas em torno da praça, com uma imagem do papa em cujo verso dizia: "Ele nos encorajou à misericórdia."
Pouco a pouco, o ambiente ficou festivo e algumas freiras dançavam ao som de uma canção popular que dizia: "Francisco está passando por aqui / e quando passa tudo se transforma/ a alegria chega/ e a tristeza vai embora."
Com a batina branca de celebração e uma estola com a legenda "Igreja pobre para os pobres", os chamados padres 'villeros' (' de favela'), como são conhecidos os sacerdotes das comunidades, conduziram os fiéis a uma peregrinação de nove quilômetros por lugares emblemáticos para o outrora arcebispo.
Milhares de pessoas de todas as idades, muitas com crianças pequenas, se juntaram à peregrinação cantando e tocando tambores, alguns inclusive com trajes carnavalescos. Entre a multidão se destacava a bandeira do San Lorenzo, o clube de futebol para o qual Bergoglio torcia.
"Pensar que em Roma estão tristes", disse às gargalhadas Norma Brioso, de 63 anos, dançando ao som dos tambores. "Francisco está vivo aqui entre nós, isto é a Argentina se despedindo dele. Isto é bem popular como ele foi. Ele estaria feliz de nos ver assim nas ruas celebrando sua vida".
O ambiente é festivo porque "hoje é o dia de fazer um pacto de amor com Francisco, colocando o nosso coração e unidos para continuar o seu legado", disse à AFP Lorenzo de Vedia, conhecido como o "padre Toto" da Vila 21-24, a comunidade onde terminará a caminhada.
- 'Cause confusão lá em cima' -
A procissão fez uma parada na Praça da Constituição, a metros de um dos principais terminais ferroviários de Buenos Aires e em cujos arredores é comum ver profissionais do sexo, vendedores ambulantes e pessoas em situação de rua.
Ali, os oradores reproduziram palavras de Bergoglio, que costumava denunciar a exclusão nessa praça: "Vós, os mais humildes, os explorados, os pobres e os excluídos, podeis fazer muito; o futuro da humanidade está em suas mãos".
A jornada começou com uma vigília noturna. Dezenas de jovens montaram barracas em frente à catedral e permaneceram até o amanhecer para acompanhar o funeral no Vaticano.
A missa em Buenos Aires foi celebrada pouco depois do sepultamento do papa na Igreja de Santa Maria Maggiore, em Roma, em frente à embaixada da Argentina.
Durante a comunhão, sacerdotes e mulheres laicas se aproximaram da grade para distribuir a hóstia entre os fiéis que levantavam as mãos para não serem esquecidos.
O arcebispo García Cuerva concluiu sua homilia com a voz embargada: "Vá para o céu e cause confusão lá em cima", disse a Francisco, evocando a frase que o papa usava para incentivar os jovens a se mobilizarem por suas crenças e o compromisso social.
H.Roldan--HdM